(Publicado em Cadernos de Reportagem em 07/08/2017)
Imagine que você seja um estrangeiro em um país que enfrenta uma grave crise política, banhada por escândalos de corrupção entre políticos e grandes empresas nacionais. Importantes empresários e políticos acabam presos, o governo cai em descrédito e manifestações são organizadas, culminando no impeachment da primeira presidente mulher eleita na História do país. Agora, imagine que o seu país natal, a mais de 17 mil quilômetros de distância, esteja passando por uma situação semelhante, praticamente no mesmo espaço de tempo.
Foi exatamente esta a situação dos estudantes brasileiros Karen Li e Jorge Junior, que realizam intercâmbio na Coreia do Sul, e dos imigrantes sul-coreanos Carol Lee e Oh Joon-Nam, que moram no Brasil há décadas. Assim como Dilma Rousseff, a presidente da Coreia do Sul, Park Geun-Hye, teve seu governo abalado por uma série de críticas e casos de corrupção, o que provocou manifestações que pediam sua renúncia e, logo depois, seu impeachment, que ocorreu este ano.
“Alguns colegas coreanos da universidade falavam comigo: ‘a sua presidente também sofreu um impeachment, não é?’”, comentou a brasileira Karen Li, que faz intercâmbio na Coreia do Sul pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mas, na opinião de seu colega Jorge, os sul-coreanos não deram tanta importância a essa comparação. “Os coreanos não falavam com muitos detalhes do caso da Dilma porque, para a Coreia, Brasil é só Neymar e samba”, disse.
Já a jornalista sul-coerana Carol Lee, que imigrou para o Brasil há 32 anos, tem outra visão: “Como foi tudo muito parecido, eu vi tanto a população coreana falando sobre o Brasil, quanto os brasileiros falando sobre a Coreia do Sul”. Ela escreve para um site de cultura coreana chamado Korea Post.
Segundo Carol, não havia provas suficientes para a prisão da ex-presidente Park: “Ela caiu no roteiro dos políticos que queriam tirá-la do poder”. Já no Brasil, a jornalista disse acreditar que havia provas de que os dois últimos presidentes, Lula e Dilma, estavam envolvidos em esquemas de corrupção. “Juntaram um monte de provas e vazaram tudo o que o PT estava escondendo, mas na Coreia eu acredito que foi o contrário: escreveram o roteiro e criaram uma armadilha para a presidente cair”.
O mandato de Park entrou em crise em 2014, logo no seu segundo ano na presidência, quando ocorreu o naufrágio da balsa Sewol, em que morreram mais de 300 pessoas. Park foi acusada de negligência na apuração do acidente. “O povo coreano lembra isso até hoje, foi a primeira vez em que a presidente foi chamada a atenção”, disse Carol.
Tudo piorou para Park quando foi descoberto que ela compartilhava informações confidenciais do governo com a sua amiga Choi Soon-Sil, e que ambas estavam envolvidas num caso de corrupção com a maior empresa do país, a Samsung: em 2016, surgiram indícios de que a empresa de tecnologia financiava as campanhas eleitorais de Park por meio de uma fundação criada por Choi. O professor de Relações Internacionais da UFF Fernando Almeida explica o caso: “Park deu tanta intimidade a essa amiga que ela redigia até os discursos políticos sobre a questão da Coreia do Norte, ou seja, a presidente passava a Choi informações de Estado. Isso, somado ao esquema de corrupção, foi demais”.
No entanto, Carol observou que Park foi muito prejudicada por boatos espalhados pelos coreanos e veiculados na mídia: “O que foi divulgado na imprensa na verdade não aconteceu”. A ex-presidente e sua polêmica confidente são seguidoras de uma seita um tanto quanto obscura, fundada pelo próprio pai de Choi. Na época do naufrágio, corria pela Coreia um boato de que Choi convencera a presidente a sacrificar 300 crianças para se manter no poder. Depois do acidente, circularam rumores de que as vítimas seriam “sacrifícios” para a realização desse ritual.
A presidente Park teve seu impeachment pedido em dezembro de 2016 e, três meses depois, ela já estava deposta e presa. O professor Almeida enfatizou que, apesar de o contexto do Brasil e da Coreia do Sul serem similares, os motivos por trás dos dois processos foram diferentes, porque Park foi condenada de maneira justa, enquanto Dilma caiu por conta de “artifícios contábeis” como pretexto para bloquear avanços sociais no Brasil. “O impeachment foi legítimo na Coreia do Sul. Já no Brasil, as instituições que atuaram contra a Dilma fizeram vários arranjos pontuais para agirem dentro da legalidade, mas não há legitimidade”, afirmou ele.
Carol, desacreditada com o Partido dos Trabalhadores (PT), compareceu às manifestações na Avenida Paulista a favor do impeachment de Dilma. Ela contou que não viu seriedade nos participantes do movimento porque pareciam estar lá para se divertir. Em comparação, considerou os coreanos mais sérios quanto às manifestações realizadas em seu país.
Oh Joon-Nam se mudou para o Brasil com 17 anos. Hoje, mora em Curitiba e trabalha como intérprete e tradutor de português e coreano. Ele também considera o movimento pró-_impeachment_ mais sério na Coreia, onde as manifestações foram organizadas por universitários. Mesmo assim, considera as manifestações a favor da queda de Dilma autênticas, organizadas na internet de forma independente, enquanto os protestos em sua defesa foram compostos por manifestantes comprados por grupos militantes: “Quando eu estava saindo do Centro [de Curitiba], eu vi uns três caras reclamarem que não receberam sanduíche. Prometeram sanduíche e não deram, então estavam xingando a turma que tinha organizado a manifestação”.
Mas Joon vê o lado positivo do impeachment: tanto os brasileiros quanto os coreanos passaram a acompanhar mais a política de seus países. “Está na hora de o Brasil mudar. Os jovens devem ter maior consciência do que é certo e errado”.
Os dois estudantes brasileiros que moram na Coreia do Sul, Karen e Jorge, disseram que esperavam uma reação mais calorosa ao impeachment de Park por parte dos universitários coreanos, e se surpreenderam com o baixo engajamento político entre eles. Karen viu estudantes marcarem de ir às manifestações como se fossem a um encontro entre amigos: “Eu achei isso muito estranho, muito peculiar”. Inclusive, eles e outros alunos intercambistas receberam avisos das embaixadas de que estrangeiros são proibidos, por lei, de participar das manifestações sob risco de serem deportados da Coreia do Sul.
Jorge acredita que o impeachment de Park foi influenciado pelo fato de ela ser a primeira presidente mulher do país: “A Coreia é bem machista, aqui os homens querem sempre ter o poder de tudo”. Um de seus professores da universidade, numa conversa com um sul-coreano que presenciara desde a Guerra da Coreia à deposição de Park, ouviu o senhor comentar: “As mulheres agora têm muito poder na Coreia, isso é ruim para o país”. Karen também notou esse machismo: “A Coreia é um país muito conservador, principalmente quando se trata do lugar da mulher na sociedade — imagine na política”. Mesmo assim, ela discorda que as manifestações pelo impeachment de Park tenham abordado a sua posição de mulher: “Quando eu ainda estava no Brasil, aconteciam várias manifestações que denegriam a Dilma como mulher. Não houve isso na Coreia, foi totalmente diferente. Eu achei satisfatório, por também ser mulher”.
Karen comentou que o impeachment de Park não afetou a economia e nem a rotina da Coreia. “No Brasil, ainda se discute se foi golpe ou não, mas na Coreia parece que desapareceu o clima ruim que havia no país depois que a presidente saiu”, acrescentou Jorge. Após a saída de Park, ocorreram novas eleições e, segundo Karen e Jorge, parece que tudo voltou à normalidade. Já no Brasil, segundo eles, a crise política tem mais impacto na vida dos cidadãos. “Esse processo se arrasta e degenera cada vez mais os nossos sonhos e o nosso futuro, principalmente para nós, jovens”, declarou Karen.
Brasil e Coreia do Sul: países tão diferentes culturalmente, mas que viram, recentemente, suas histórias sendo espelhadas. Resta a seus cidadãos, tanto os brasileiros coreanos quanto os coreanos brasileiros, ajudarem a cada dia na construção de um novo país.